Foto: Ana Branco
— Morreu Michael Jackson! Eu era fã dele! — disse X, ao responder ao GLOBO sobre quais notícias chamaram sua atenção ao deixar o cativeiro, há cinco meses. — Também nunca tive um celular. Agora tenho um. Até faz fotos! — comenta ela.
A mulher também foi apresentada ao aplicativo WhatsApp pelas assistentes sociais e psicóloga da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), que estão dando apoio à família. Foram elas que instalaram o dispositivo no aparelho novo que a vítima ganhou. É pelo aplicativo que ela posta as fotografias dela e dos filhos para os parentes que reencontrou depois de tanto tempo de isolamento. Além disso, não havia TV, rádio, nem tampouco jornais. Seu único contato era com o seu “carcereiro”, que surrava ela e os filhos com um fio de cobre, mantido ao lado dele na cama.
Foi como se a vida parasse ou ela e os filhos tivessem sido congelados. X. tenta entender o que perdeu, além da juventude e da vida do lado de fora.
— Eu só conhecia a TV de tubo, que havia quebrado desde que fomos para lá (Guaratiba). Ele (ex-companheiro) não mandou consertar. Não sabia que tinha televisão assim — diz ela, apontando para a TV digital doada para a família.
Cama encontrada na casa onde mãe e filhos eram mantidos em cárcere privado há 17 anos, na Zona Oeste do Rio — Foto: Divulgação
Em 28 de julho deste ano, quando mãe e filhos foram resgatados, a vida deles ganhou um novo rumo. Além da liberdade, ela deixou a casa inacabada de piso de chão batido e “enlameado” toda vez que chovia, por uma casa nova de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Parentes, amigos e pessoas sensibilizadas pela história da família fizeram uma “vaquinha” para ajudá-los a conquistar o imóvel próprio. X. contou que, com os R$ 90 mil arrecadados, além da moradia, numa favela da Zona Oeste, comprou alguns móveis.
Apesar de preso, o medo de que o ex-companheiro a encontre lhe tira o sono. A vítima teme que ele cumpra a ameaça que lhe fez ao longo dos anos:
— Ele sempre dizia que, caso eu fugisse ou o abandonasse, ele viria me matar — disse ela que pede para manter seu endereço em segredo. — Eu vou ao supermercado e ninguém me reconhece. Melhor assim — afirmou.
Na casa nova, cada filho um tem sua própria cama, em vez de colchões sujos e úmidos sustentados por tijolos no sobrado onde passaram a infância e parte da juventude. Na cozinha há fogão e uma geladeira com comida, algo raro antes do resgate.
As sequelas do tempo de cárcere são visíveis. Desde a infância, os dois não tiveram contato algum com outras pessoas, apenas com os pais. Quem os vê, jovens de 22 e 20 anos, percebe logo os problemas neurológicos. O corpo e a mentalidade são de crianças de pouca idade. A mais velha, segundo a mãe, começou a falar e andar com um ano e três meses, mas o afastamento do convívio social, fez com que a menina regredisse, assim como o garoto. Aos três anos, conta X., a garota foi diagnosticada com autismo, mas sem fazer exames mais aprofundados. Já o irmão, nem isso. Só depois da saída do cativeiro, com a ajuda da SMAS, eles vêm recebendo tratamento no hospital da Rede Sarah, indicado para neurorreabilitação, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio.
Santos Silva e X são primos de primeiro grau. Quando era adolescente, ela costumava ir à casa de um tio, vindo a conhecer lá o rapaz que seria seu companheiro no futuro. Ele vivia na Bahia, sua terra natal, e visitava o parente. Segundo ela, nessa primeira vez, que não houve nada entre eles, até porque, o primo era nove anos mais velho que ela. Depois de um casamento desfeito, numa segunda vinda ao Rio, ele decidiu se estabelecer na capital fluminense, trabalhando como polidor de automóveis. Daí começou o relacionamento dos dois, ela então com 17 anos, ele com 26. Faltava apenas um ano para concluir o ensino médio, quando X. engravidou. Depois do nascimento da filha, ele a proibiu de estudar.
— Naquela época havia muita fofoca porque engravidei cedo e de um primo. Dali em diante, ele passou a me trancar em casa. Minha mãe tentava me visitar, mas ele não permitia. Eu cheguei a fazer o pré-natal, mas só com ele junto. Tive minha filha em 3 de maio de 2000. O bebê não chorou, mas as enfermeiras disseram que algumas crianças não choravam mesmo. Parecia tudo normal, até eu perceber que ela demorava para se desenvolver. Depois veio meu outro filho, que chorou e andou rápido. Mas também regrediu. Começaram a fazer tratamento, mas ele começou a dizer que era perda de tempo e não fomos mais — conta a vítima.
O Globo
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