Com a capacidade de dar a volta por cima, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) provou ser sui generis no ecossistema político brasileiro. O Partidos dos Trabalhadores (PT), repetidas vezes chamado a fazer uma autocrítica, nesta presidencial fez sua mais profunda autocrítica ao conduzir a campanha mais centrista de sua história, sabendo da necessidade de contar com nomes da centro-direita à esquerda.
O próximo governo será um desafio para Lula, que além de devolver a pacificação institucional e apaziguar os laços das relações do tecido social do país, terá que conduzir com austera moderação o governo centrista que vem pela frente. Numa coalização para além do PT, figuras como Simone Tebet (MDB), Geraldo Alckmin (PSB), Marina Silva (REDE), Eliziane Gama (Cidadania) e os liberais da área econômica, serão forças de freio a ala mais à esquerda do partido, menos afeita a acordos com agrupamentos que foram cruciais na sustentação do governo Bolsonaro.
O mandato que iniciará em 1º de janeiro, é a chance de Lula reerguer sua biografia depois da perseguição política que sofreu. Batendo de frente com nomes influentes dentro do PT, que na pré-campanha não homologavam a indicação de Alckmin a vice, Lula mostrou que a estratégia de campanha que articulou desde o início do ano foi assertiva.
A chance de se reerguer não é só para o presidente eleito, mais também para o PT, que a partir de 2015 passou por severo desgaste em sua imagem político-partidária. A legenda tem a dura missão de reconquistar apoio perdido em arenas políticas que até 2014 viam a agremiação com confiança. Na geografia eleitoral, o estado do Rio de Janeiro, que durante cinco eleições consecutivas, de 1998 a 2014, deu vitória ao petismo, é o retrato do Brasil periférico e evangélico que cresceu nas últimas décadas, votou por um tempo na sigla, e hoje, é o campo popular de resistência do antipetismo.
Em São Paulo e Rio Grande do Sul, dois dos dez maiores colégios eleitorais, o partido recuperou sua marca de votação próxima a casa dos 45%, desempenho pré-lava jato, garantindo uma base mínima fundamental de votos para que Lula não tivesse sobressaltos no panorama nacional.
O evangelicalismo é uma das missões mais duras para a esquerda. Com perfil pobre, preto e feminino, o protestantismo-evangélico tem perfil similar ao eleitorado lulopetista, mas é uma âncora social que sustenta o bolsonarismo. Com os evangélicos a esquerda experimenta algo novo na vida política brasileira, o que os americanos chamam de ‘eleitor de valores’, que independentemente do desempenho econômico e das políticas de seguridade social, sempre votam em conservadores, guiados pelo conservadorismo social.
Voltar a contar com o apoio de um grupo social-religioso, que as previsões demográficas apontam que em 2032 serão numericamente mais numerosos que os católicos, que por seis anos vem passando por forte militância de suas lideranças religiosas na catequização do ódio a esquerda, além de como saber lidar com os valores cristãos-conservadores e os do progressismo da esquerda cultural, é um dos maiores desafios para o futuro político do PT.
O abuso político e econômico, sem precedentes na redemocratização, cometido por Bolsonaro, foi o que impediu a vitória de Lula no 1º turno. O aumento do Auxílio Brasil e a liberação de crédito para empréstimo consignado, que beneficiou os pobres, e a desoneração dos combustíveis, que beneficiou as classes média baixa e trabalhadora, impulsionaram a ida de Bolsonaro ao 2º turno.
Por mais que a recuperação do PT no Sul, Centro-Oeste e principalmente, no Sudeste, tenham sido fundamentais para a vitória de Lula, um candidato que não tivesse pontuado seus quase 70% de votos no Nordeste, viria a eleição ameaçada. Nenhum outro candidato no Nordeste teria como sufragar o quinhão de votos que Lula tirou na região, ainda mais com o bolsonarismo tendo jogado pesado com a política do Auxílio Brasil. Lula tinha a memória afetiva do nordestino, que o abraçou a níveis que Simone Tebet e Ciro Gomes (PDT), os dois principais candidatos da 3ª via, não tinham como alcançar.
Uma perda de margem dos votos vindos do Nordeste teria mudado o resultado do pleito presidencial. Com seu forte carisma e liderança popular, Lula, de fato, mostrou ser o único capaz de derrotar Bolsonaro. E foi o Nordeste, região tão achincalhada e menosprezada pelo polo de poder Centro-Sul do país, o responsável por derrotar a principal ameaça à democracia brasileira desde o golpe militar-autoritário de 1964.
Por João Paulo Jales dos Santos, graduado em Ciências Sociais pela UERN
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